Poema Com Dom...


No meu reino soberano,
Literal e literário,
Vivo danado e mundano.
Apesar de não cometer adultério,

Sou moralmente insubmisso
Ao casamento, como ofício
Santo, casto e excelso.
A minha fé é lei e um seio,

E as sedas dos soutiens,
Minhas donzelas e amantes,
Os mamilos…ah, os mamilos
Citrôenes, dois sinetes elegantes.

No meu reino soberano,
A soprano é-o, de coração
E é nela que me venho,
Num peculiar padrão,

Fardado de tenor solteiro,
E patrão do esperma.
No meu reino, sou rei
Do que é ser poema

Liberal e libertário,
Sou o serralho d’um pragano,
Pingo de galheteiro,
Delegado do engano.

O meu mundo não é Terreno,
E mais dia, menos dia, mando
O reino pro... aterro,
E demito o Dom…

Joel Matos (02/2013)

Sabe a Gosto...





Estou triste, como austero o dia e eu
Condenado a um sentimento sem nome,
Semelhante ao gelo na voz que um dia m’emudeceu,
Cativo d’uma angústia atroz que consome

Até o mais empedernido dos mortais.
Vou fingir que durmo, enquanto a tortura
Dura e morder nos lábios os meus ais.
Vou apertar o coração até que seque e morra,

Soubesse este não acordar de novo e vivo
Vandalizaria o jazigo ao demónio, já hoje
E queimava os versos do arquivo e calava a boca ao povo
E apagava da lápide a raça, do dito cujo,

Não fosse o uivo ser lembrado ou eu lembrar-me
E me tome por obra sua, prestamista
Duma alma que por acaso já tivesse o seu nome,
Não sendo eu, que o diabo me possua na pérfida lista.

Estou triste, tão triste que o frio me guia
Os dedos na direcção da neve nua e fria
Mas ver nuvens -travesseiro suave- d’algodão
Doce é algo que me sabe a seda, a Gosto e a verão…



Jorge Santos (02/2013)

Houve tempos





Houve tempos em que os sons do celulóide valiam
Mais do que simples palavras, momentos
Em que as imagens saíam do ecrã do cinema
E eu sabia de cor o que diziam os lábios mudos,

As mãos vacilavam, nervosas sob a luz tremula,
Ansiosas pelo toque da companheira do lado,
Suspendia-me na respiração solene dela,
E esquecia o enredo da película que estava vendo,

Na frágil ilusão do filme, esquecíamo-nos da noite,
A vida corria como se fosse uma original edição,
E o que se passava na tela era tão naturalmente aceite
Que orvalhava os olhos e acelerava a pulsação.

Não havia ontem ou amanhã, o tempo esvoaçava,
Espantávamo-nos com a nossa timidez espontânea,
As juras de amor seriam aceites? Saberiam a saliva?
Ou a salva da pastilha-elástica? Sei que provocavam insónia

E repetia tantas vezes o mesmo nome até ficar exausto,
Mas era como se o trouxesse, dentro de mim grudado,
Mesmo depois, quando ficava sozinho no meu quarto,
Recordava os momentos com ela segundo a segundo,

A despedida à porta da sala de cinema, pungente,
Acaso morresse de sede, tendo um rio de agua a porta,
O coração que queria voar, preso por uma corda
À garganta até faltar o ar, a frase não sair autêntica…

Também não eram mais que simples palavras,
O ágil rumor das folhas, nas árvores
A caminho de casa, reclamavam das minhas
Acanhadas frases, saciadas com  um beijo na face…


Houve tempos em que me encantava 
por tudo e por nada...





Joel Matos (02/2013)

(Na hora mais despida)





Que seja eu, os meus pedaços
E todas as mãos que me lerem,
Espiem meus passos, sejam laços
Juntados, pontas que estes não têm,
E os nós destes,

O decotado perfil, do que nem creio,
Sem a verdade p’lo meio, espécie d’enleio
Da imaginação febril que odeio,
O indício irrefutável que m'alia ao alheio,
Nós da voz, súbdito da gaguez.

Que seja eu ,os meus pedaços,
Nos bosques espalhados, aos lobos
Porque são versos, porque não versos?
Alguém reclamou achá-los?
Rodos de chavões,

Para meninos do coro,
Quero o prémio do efémero ,
O murmúrio crível e caseiro,
O lado de lá do futuro, quero
Que seja eu, aquele quem mais conheceis,

Que seja eu, os meus pedaços,
Os espaços entre os demais astros,
O palco e os beiços dos palhaços,
Que sejam meus, os despidos abraços,
Que vos deixo em confissões…

(Na hora mais despida)




Jorge Santos (02/2013)

Quem


Quem vos deu penas, pra irdes vestidos de trapos,
Quem vos deu o dentro, se não mitigais o desalento,
Quem vos deu cada gota de saliva onde morreis alagados
E nas palavras cruas que vos não saem pelo grito.

Quem vos dissolveu, na vontade das feras mansas,
Quem vos tirou a verdade e a revolta da alma,
Quem vos amarrou, nos cobertores às camas,
E nos rostos das vossas crianças, a solidão estrema.

Quem vos atirou o medo pra gamela,
E a angustia p’la janela do quarto adentro,
Quem vos injuria, como meros cães de palha,  
Se nas batalhas d’antanho vos invocou de guerreiro.

Quem vos roubou a serenidade do olhar,
Quem vos vendeu dos ombros aos artelhos,
Sem permissão para sequer correr, sonhar
Por noites lunares e bondosos amos…

Quem…

Joel_Matos (02/2013)

O céu está a cair...


Os pássaros do precipício,
Cantam de cabeça pra baixo,
Também por fora deste edifício,
O meu coração perplexo,

Olha o chão do bairro, p’lo alto,
E vê pouso fixo,
Na certeza do extremo salto,
Encontrar um eixo,

Que lhe voe a alma, mas a sério.
Aprendeu com as aves
Do abismo, o vício
Da vertigem e dos ares,

Porquanto houver,
Um mastro ou parapeito,
Numa janela qualquer,
E no peito,

Um coração determinado,
Pra saltar,
Não estará o sonho, acabado
Em terra firme, ou no ar.

O que fiz pra que acabasse,
Essa espera do voo extremo!?… fiz
Simplesmente, o céu abater-se,
Cá em baixo, sobre mim...

Jorge Santos (02/2013)

Mecca


O que importa, na espera,
É a presença em falta, severa,
Pesada como um lastro,
Silenciosa como um claustro

A causa do mal todo…
E espero…que importa,
Curvo ou cansado,
Caneta sem tinta,

Cheque careca,
Invisível céu,
Cabala de Meca
E eu…

O que importa,
São as ilusões,
Dando à costa,
Presas aos anzois

E os sonhos, guardanapos
E nos pratos,
Os restos da tua presença,
À mesa.

O que importa,
É que creio,
No que me encanta,
E no que me sorriu,

Até ficar sem fala,
D’ouvir o olhar sorrir…
(Ah…e o falar dela!)


Joel-Matos (02/2013)

Permitais-me ser triste...


Permitais-me que silencie o contentamento
No rosto, se hoje me acenavam 
Ainda, foi por bondade ou o oposto,
Pois sorrisos bons, nessas bocas não moram,

Deixai-me, pra que morra,
Sem saudade nem lembrança,
Porque se, a esperança ainda aqui se demora,
Vai abandonar por certo, esta minha praça,

Fico grato a quem me conheceu,
Mesmo que não tenha visto as minhas gotas
De lágrimas, como eu as sinto, caídas do céu,
Que não posso descreve-las, de tão belas…

Nunca fui hábil, na arte de amar o vizinho,
Nem noutra qualquer arte,
Deixai vir a morte, de mansinho,
Pra que também esta, não me “tome de parte”,

Permitais-me que, seja o mais triste,
Que o silêncio consente,
Porque, se viver é um “estado de graça”,
Em cada dia que passa,

Agradeço a Deus, o aval concedido,
Mas deixai-me por favor, ficar calado,
Apreciando a sorte,
De poder ser triste sendo contente…

Jorge Santos (02/2013)

Por cada desejo meu...


Quero que, cada desejo meu,
Tenha aviso de despejo,
Já que minha alma cheia, encheu
De mil batalhas, todas sem despojo…

Não sei fazer mais nada,
Senão celebrar o que não persigo e não digo,
As conquistas são o sermão e a soda
Sarcástica, por qual rojo e me esfrego,

Detestasse eu a ferrugem,
E seria um prego de ferradura,
Apodrecido num chão de forragem,
Numa estalagem d’outra terra…

Um desejo que ainda perdura
Dela, são das tabuas, o rangedo,
Assim minha poeira pousa, afora
Do contexto mais desconfigurado,

Que o meu ensejo tem,
Hóspede de nenhum lado,
Vago e magro, sem vintém…
Porém ouço-me seduzido…

Viro-me mas não sou eu
Com quem almoço, mas o nojo
Que minha escrita fede a meu.
Quero que, por cada desejo

Despedido outro seja réu,
Talvez o de pompa, porque não?
Se todo o meu instinto se perdeu
No ânus de um cão…

Joel Matos (02/2013)
http://namastibetpoems.blogspot.com

Grande é o Panteão dos meus...


-Fui dentro de mim entrando, entrei
E vi vestígios do que se já viu
Vi um céu interior e brando, bradei
Aos meus, no brado que se me partiu,

A um sol redondo e a um silêncio estival,
-Ai daquele qu’en seu sonho traga
Desertas preces e marés dest’areal
-Ai daquele qu’en s’us olhos s’afoga,

Ou é um homem de vime envolto
Ou mora junto ao sal da margem
-Há um mar no avesso e um quarto,
Cansados de tanto esperarem,

-Fui dentro deles, escondido                                 
E vi vestígios do que fui e possuí
Antes, sob a tutela do cedo…
Meu coração possuído já não possui,

-Agora carrego, esteiras alheias
E sombras por habituação
Enredo-me nas fantásticas salas
Que, por não serem, minhas são…

(Grandes são, de Deus as casas,
Grande é o Panteão dos meus)


Jorge Santos (02/2013)

Quando eu despir a veste que me liga a este mundo...


Quando eu despir a veste que me liga a este mundo,
Não haverá quem me recorde, nem ruirá uma metrópole,
Serei mais um túmulo, serei passado, serei eu, mudo
E as pessoas rindo, como sempre fazem, no funeral

De um ente seu, que se perdeu, perdeu a fé e a veste…
Não mais poderei contar-lhes eu da viagem
Que podem fazer, do prazer em viajar de paquete,
Contar-lhe como era…ou seria, se viessem…

A delegação fica mesmo ali, ao fundo dum jardim,
Depois d’um arco pequeno e num portão ao lado,
Entra-se numa ala desolada, de aspeto ruim,
Um cais e um barco, transversalmente atracado,

(Pois assim é que o imagino), a onda a quebrar-se
E o apito forte antes que o sol acabe
E a luz que acende o convés e o som maquinal que cresce,
Consciente de ter no coração o que na terra não coube…

Quando eu despir a veste que me liga a este mundo,
Pousarei a capa e não me importarei que minha roupa vista,
Qualquer homem comum, durante o entrudo,
Porque o meu desejo é ficar sozinho e nu, despido de ponta a ponta,

Pra que a fantasia, não tenha com que se cobrir
E continue a navegar nua, por aí, à toa,…

Joel Matos (02/2013)