O meu caminho levanta-se e ergue-se como um muro...




Tenho dias duplos, em que me sinto como se nada
Sentisse, Tenho dias, em que minto e me culpo,
Por tudo e por nada e depois d'outros, em que 
Me fio, na navalha que aponta e esfola.  
E dias sem razão, são mais e muitos, tenho
Dias de festejar em duplo, com mosto e dias curtos,
Como a palma da minha mão, em cheio no rosto…
Tenho dias em que nada mais sinto,
Senão desgosto e culpa, dias em que me oculto.

Transporto o monumento, em que corto os pulsos
Por desgosto, será inverno o ano todo, sem a alquimia
De Agosto, isso sei eu, 
o que hei-de dizer das
Estrelas comuns que miro, depois do sol posto
Serão elas amanhã o nosso monumento mesmo
Num Janeiro frio
"as estrelas do coração 
Incomum"


Liberto em duplo, 
abandonei-me na paisagem abaixo, 
O vulto do cais e a estrada nítida e calma 
Que se levanta e se ergue como um muro,
A chuva oblíqua que me atravessa
E depois cai.

Sorvi o vento solto,sustive o tempo,
Dormi entretanto, no cárcere breve,

Que é o meu corpo, liberto de tudo, 
Nulo em duplo.

(Jorge Santos)