Quando me deito...



Quando me deito, é uma traição
Que faz a mim mesmo, o corpo,
Escrevo poesia pra não esquecer de pensar,
Como se fosse este, dum outro,

O pensamento. Esqueceria o eu, de qualquer modo.
Se escrevo de dia é pra não esquecer
Coisas que esqueceria
Doutro modo, sendo noite,

Poder-me-ão,
Roubar deitado

Deitando-me, eu morro um pouco,
Porque dormir é não pensar,
Deitado roubo do sonho o pensar
Come se fosse o pensar d’outro

Quando me deito é uma traição
Que faz a mim mesmo, o corpo.



Jorge Santos (04/2013)

China 2013 (4.500 km de bicicleta em 30 dias) de Xi'an a Bishkek (Kirguistão)




Quarta-feira ,17 Maio de 2013  em Setúbal

Será a primeira vez que irei percorrer um tão grande número de quilómetros e em tão poucos dias, pelas minhas contas 4.500 em trinta dias, quase a distância de lisboa a Moscovo num mês, ou seja, terei de percorrer 150 quilómetros por dia sem descanso durante esse espaço de tempo.
Comecei por pedir a aplicação do visto para a China no passaporte (disseram-me na agencia de viagens onde comprei o bilhete de avião que não seria necessário visto para o Quirguistão) demorado e burocrático foi este visto, fazendo-me sentir como seria difícil o percurso num dos maiores países do mundo.
As próximas fases serão o fazer listas o mais concisas possível dos objectos a transportar, arrumá-los e ir retirando tudo, mas mesmo tudo quanto não for absolutamente necessário a sobrevivência diária, a roupa, à parte os calções almofadados de ciclismo, será comprada nos mercados locais para me parecer o mais possível com os habitantes de cada região ou cantão (cada um destes do tamanho de países como a França, a Espanha ou a Polónia)

Lembro-me, apesar de terem passado tantos anos, de uma série de televisão que me iludia os olhos e aquecia como a areia das dunas, a minha alma e, apesar de ainda ser a preto e branco  lembro-me dela como se fosse já a cores.
Ah …e aquela música de Kitaro ,emocionava-me pela magia do som dos guizos e dos cascos dos camelos, (chamava-se "The silk Road")
Kitaro era o musico Japonês que compunha a banda sonora da serie e teve aquela musica a faculdade de um despertar para o oriente e para a mítica rota da seda, algo que era, nesse tempo, tão longínquo, como ainda o é hoje.
As cidades chinesas e todas as outras como Samarkand ,Antioch ou Aleppo, ao longo desta rota milenar modificaram-se mas espero ver ainda um ultimo vestígio das imagens com que aprendi a conviver faz mais de 30 anos, na serie que esperava fielmente ver no minúsculo ecrã de televisão, um aparelho ligado a uma bateria pois não possuíamos electricidade em casa.
Isso era coisa de meninos ricos e a minha casa era no campo, quase sem um caminhos nem agua canalizada ou casa de banho como hoje talvez dificilmente consigam imaginar.
Lembro-me da inveja que tinha dos outros meninos da escola, falavam de ouvir música num gira-discos e eu nem sabia o que era tal coisa.
Talvez por isso sinta mais afinidade com estas civilizações do que com o ocidente dito civilizado e homologado.
Talvez por isso reconheça estes povos como meus familiares e sinta maior segurança no meio destes, que numa mega-metrópole de 10 ou 20 milhões de almas sem os sonhos ligados aos meus e entre eles próprios.

(continua)




China 2013 (4.500 km de bicicleta em 30 dias) de Xi'an a Bishkek (Kirguistão)

Reinvento do o ciume..


Como disse anteontem, o ciume tem 
O condão duma pedra verde azul torpe
Há que transformar em tição, tudo
Quanto nele toque; pode ter arte 
Se for de raiva feito,
O ciume rubro, em vez de vazio, ralo
E mole, nulo como eu...

Como te disse ontem, transforma
O ciume teu, em ferros acesos,
Tições e carvões quentes.
Perfura o poema meu com a espada,
E o vão  que contem desse azul verde ciume
Tenta... vamos, fá-lo em tição aceso

Reinventa o ciúme ..incendeia-o...

Jorge Santos (04/2013)